“O usufruto é uma das ferramentas utilizadas no planejamento sucessório para conferir celeridade na distribuição do patrimônio e evitar situações de disputa judicial. No texto a seguir, cuja fonte foi o excelente artigo do site Migalhas, buscamos apresentar o tema de forma objetiva quanto aos aspectos registrais, tributários e sucessórios.” – por Betânia Miguel Teixeira Cavalcante, sócia do Badaró Almeida & Advogados Associados
Para “facilitar” processos sucessórios, em cartórios de todo o país, é comum pais colocarem imóveis em nome dos filhos mantendo seu usufruto enquanto vivem. Do ponto de vista legal, tal ação é possível por meio de uma doação com reserva de usufruto (o usufruto deducto) ou de uma compra e venda bipartida com doação de dinheiro.
O objetivo é sempre antecipar e proteger a herança e oferece grandes vantagens:
É um tipo de antecipação de herança em que o bem doado é, no caso de compra e venda bipartida, apenas o valor do dinheiro utilizado na compra da nua propriedade ou, no caso de doação com reserva de usufruto, apenas a nua propriedade;
No caso de dívida do pai, credores não poderão penhorar a nua propriedade, mas apenas o exercício do usufruto, o que protegerá a herança do filho;
A consolidação da propriedade pelo filho no caso de morte do pai não dependerá de inventário e partilha, pois a sua morte extingue o usufruto: basta o filho apresentar a certidão de óbito ao Cartório de Imóveis e pedir o cancelamento da nua propriedade.
Informações gerais sobre cada formato de usufruto.
Direito real de usufruto
Também chamado de “nua-propriedade”, o direito real de propriedade por usufruto é regulado pelos arts. 1.390 a 1.411 do CC e é outorgado pelo proprietário (que passa a ser nu proprietário) ao usufrutuário.
Tal ação pode ser feita sobre móveis, imóveis ou patrimônios e estende-se aos acessórios e a seus acrescidos. As partes envolvidas são nu-proprietário (o titular do direito real de propriedade onerado pelo usufruto) e usufrutuário (o titular do direito real de usufruto).
O usufruto é inalienável, embora o seu exercício não o seja (art. 1.393, CC). Sendo assim, não pode ser alienado e encerra-se com a morte do usufrutuário instituído pelo proprietário, porém, o usufrutuário pode ceder o exercício do usufruto para outra pessoa, que passa a ter permissão de morar ou alugar o apartamento, por exemplo.
Em outro exemplo, credores de usufrutuários não podem pedir a penhora do objeto de usufruto, mas podem pedir a penhora de seu exercício.
O direito real de usufruto ocorre, via de regra, em 3 etapas:
Registro do título na matrícula do imóvel no Cartório, no caso de imóvel (art. 1.391, CC);
Tradição, no caso de móvel (art. 1.226, CC);
Transcurso do tempo no caso de usucapião, que pode envolver móvel ou imóvel.
Usufruto deducto
Comum nos planejamentos de sucessão, ocorre, por exemplo, quando os pais passam a propriedade aos filhos mas mantêm seu direito de usufruto. É uma doação com reserva de usufruto, de forma que o proprietário transfere apenas a nua propriedade. O CC reconhece essa prática expressamente (art. 1.400, parágrafo único).
A prática também pode ser feita com contrato de compra e venda, mantendo-se a premissa da venda da nua propriedade, com a reserva de usufruto ao vendedor e também em testamento, quando a pessoa lega a propriedade a alguém, mas reserva o usufruto a herdeiros ou uma terceira pessoa.
Segundo doutrina e jurisprudência majoritária, devem ser feitos dois registros na matrícula: um para a alienação da propriedade e outro para a constituição do usufruto.
E há um cuidado importante a ser tomado na redação do título de registro no cartório: o título precisa constar expressamente a reserva do usufruto (não basta apenas a menção à alienação da nua-propriedade). O usufruto não pode ser atribuído pelo proprietário a si mesmo, deve sempre ser constituído pelo proprietário em favor de outra pessoa (art. 1.391 do CC).
Compra e venda bipartida com doação de numerário
Também uma prática comum, onde o proprietário pode instituir o usufruto a uma pessoa e na sequência vender a nua propriedade a outra.
A redação desta escritura e registro da matrícula no Cartório de Imóveis exige atenção e deve seguir essa ordem (se os negócios forem formalizados na mesma escritura) – se o proprietário antes vender a nua propriedade e reservar para si o usufruto, não haverá como ele posteriormente transferir o usufruto a terceiros em razão da sua inalienabilidade.
No aspecto financeiro, haverá dois geradores de ITBI, pela transmissão onerosa da nua propriedade e do usufruto, sendo o cálculo diferente em cada fator e variável de acordo com as leis de cada município.
Compra e venda bipartida com doação de dinheiro e cláusula de inalienabilidade
Outro cuidado comum no planejamento de sucessão é a preocupação dos pais em tornarem os direitos dos filhos inalienáveis, por questões de segurança.
Neste formato, pais compram imóveis no nome do filho em forma de doação, ficando com o usufruto vitalício e atribuindo cláusula de inalienabilidade sobre o imóvel. Este formato é chamado de compra e venda bipartida com doação de numerário (dinheiro) e com cláusula de inalienabilidade.
Não há necessidade de alvará judicial para esses negócios, mesmo se o filho for menor de idade e existem 3 formas para justificar:
A prática é similar a uma doação pura da nua propriedade em favor do filho, a qual pode ser recebida pelo absolutamente incapaz mesmo sem sua aceitação (art. 543, CC), pois a própria cláusula de inalienabilidade não passa de uma proteção ao próprio incapaz.
Interpretando que o que ocorreu foi uma doação do dinheiro para o filho, com a obrigação dele adquirir o imóvel e instituir o usufruto ao pai, como enxerga Gilberto Valente (2007).
Considerar na compra do imóvel pelo pai que o mesmo fez doação, com reserva de usufruto e com a cláusula de inalienabilidade.
Entendendo que esta operação é representada por:
Instituição onerosa de usufruto vitalício em favor dos pais com direito de acrescer;
Doação de dinheiro dos pais em prol do filho com o encargo de comprar a nua propriedade e com cláusula de inalienabilidade – doação modal;
Compra e venda da nua propriedade pelos filhos com cláusula de inalienabilidade que recaia sobre o dinheiro e que, por sub-rogação real, passa para o imóvel.
Na matrícula do imóvel no cartório devem ser praticados os atos:
Registro da instituição onerosa do usufruto para os pais com direito de acrescer;
Registro da compra e venda da nua propriedade;
Averbação da cláusula de inalienabilidade.
Ficam os tributos devidos, ITCD, pela doação do dinheiro, além de:
ITBI sobre a instituição onerosa do usufruto
ITBI sobre a venda da nua propriedade.
Lembrando que a soma das bases de cálculos desses dois ITBIs corresponderá ao valor total do imóvel.
Tributos, sucessão e dever de colação.
No aspecto tributário, na operação será devido ITCD com base de cálculo correspondente ao valor da nua propriedade. Com a morte dos pais e extinção do usufruto, será devido ITCD com base de cálculo correspondente ao valor do usufruto.
Como doação a filho é considerada uma antecipação de herança, há duas hipóteses a analisar no que deve ser colacionado neste caso de doação de um imóvel com reserva de usufruto: uma envolve usufruto deducto e outra a compra e venda bipartida.
Usufruto deducto
Neste caso, o objeto a ser colacionado é apenas a nua propriedade, e não a propriedade plena, afinal o filho não a possui. O objeto não pode ser alugado, usado ou explorado economicamente por ele. O filho só passará a ter a propriedade plena com a extinção do usufruto, normalmente com a ocorrência da morte do usufrutuário.
Compra e venda bipartida
Nesta situação o resultado é parecido: o objeto a ser colacionado deve ser o dinheiro doado para a aquisição da nua propriedade, que corresponde ao valor da nua propriedade no momento do negócio. A liberalidade, desta forma, não é a nua propriedade, e sim o dinheiro doado.
Concluindo, o direito real de usufruto é a via legal mais adequada para garantir a proteção da herança da família, preservando o futuro dos filhos e ao mesmo tempo permanecendo o direito vitalício dos pais de usufruir o bem.
O Badaró Almeida & Advogados Associados atua em sua holding familiar para atender aos interesses de seus clientes, sempre através das soluções jurídicas mais eficazes. Para saber mais sobre o assunto, entre em contato com o nosso escritório.