Entendendo o Contrato Eletrônico (e sua assinatura a distância)

Muitos dizem que o ano de 2016 deu início à Quarta Revolução Industrial, que possui como principal característica a revolução das máquinas baseada no CPS (em inglês cyber physycal systems), que em tradução livre podemos chamar de sistemas físicos cibernéticos.

Neste cenário, o desenvolvimento de conceitos anteriormente longínquos ou de entendimento paulatino, como a inteligência artificial, big data, impressoras 3D só para citar alguns, assustaram o mundo com a velocidade com que atingiram larga escala global. Por isso, muitos têm denominado os tempos atuais de “a era exponencial”, justamente por conta da velocidade das alterações e mudanças no cenário global.

E no Direito não poderia ser diferente. A automação dos processos judiciais, a migração necessária e imediata para os processos virtuais ou eletrônicos e os estudos para o desenvolvimento de inteligência artificial indicam que o Direito também foi atingido com um “jab-direto” e agora busca sair das cordas para contragolpear e se adequar à “era exponencial”.

No âmbito dos contratos ou das formalizações das relações jurídicas, podemos constatar que a pandemia da covid-19 precipitou a adesão massiva à sua formalização a distância, utilizando a tecnologia para adequar a necessidade dos novos tempos.

Para isso, vamos observar o que é necessário para se garantir a validade do contrato eletrônico, e sua “assinatura” à distância, de modo a entender como a forma de celebração dos contratos com clientes, parceiros ou fornecedores pode também ser “escalável” e amparada pelas normas jurídicas em vigor.

Quando tudo começou

A ideia da “virtualização” do Direito não é recente, já que alguns tribunais já possuíam sistemas de consulta a andamento processual a distância desde os anos 1980 e 1990. Entretanto, essa migração do “mundo físico – do papel” para o “mundo eletrônico – virtual” só começou a tomar forma com a entrada em vigor da Medida Provisória nº 2.200-2, de 24/08/2001.

O principal marco com a entrada em vigor da mencionada norma foi a possibilidade de garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, instituindo-se a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil.

Foi possível, portanto, o correto entendimento acerca dos documentos eletrônicos, garantindo-se que as declarações constantes de tais documentos, públicos ou particulares, seriam presumidamente verdadeiras em relação aos seus signatários, desde que utilizado o processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil.

Importante destacar que a MP nº 2.200-2 foi além, principalmente ao permitir a utilização de outros meios de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, mesmo os que não utilizam a certificação da ICP-Brasil. Para tanto, tal meio de comprovação deve ser admitido pelos contratantes ou partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

Não podemos esquecer que o Código Civil Brasileiro prevê o princípio da liberdade das formas, ou seja, é admitido no Direito a validade de um documento ou uma contratação desde que seja possível garantir a sua integridade e a sua autenticidade.

O contrato eletrônico e sua assinatura a distância – Manifestação de vontade

A jurisprudência brasileira é pacífica ao utilizar o princípio da liberdade das formas para a confirmação de um contrato ou de uma obrigação. Portanto, facilmente se encontram decisões nos tribunais acerca da irrelevância da existência ou não de um contrato físico, desde que seja comprovada a validade da manifestação da vontade por outros meios de prova, seja um extrato de operação bancária, utilização de ferramentas que possuam login e senha ou outras formas de se provar a integridade e a autenticidade da contratação.

A autenticidade busca comprovar a autoria ou a manifestação de vontade expressa das partes da relação jurídica, enquanto que a integridade objetiva garantir que o documento eletrônico não foi adulterado. Caso sejam comprovados, por quaisquer meios legalmente admitidos, tais elementos, o contrato ou a obrigação serão considerados válidos.

Nesse sentido, vários elementos da tecnologia podem ser utilizados para confirmar e garantir a integridade e a autenticidade dos documentos eletrônicos. Ferramentas como IP de procedência da operação, geolocalização, assinatura eletrônica, biometria, apenas para citar alguns, já são possíveis de serem utilizados e são reconhecidos legalmente de que o ajuste entre as partes foi efetivamente celebrado.

Portanto, considerando que a manifestação e declaração de vontade é elemento essencial para a existência de qualquer relação jurídica, ferramentas podem ser utilizadas para sua expressão, como assinatura física, acionamento de botões, assinatura digital, biometria, etc., desde que, como já apontamos, os documentos sejam íntegros e autênticos.

Como não existe forma para se declarar a vontade no Direito brasileiro, o que vai importar, de fato, é o recebimento e o correto entendimento dos termos do contrato ou da obrigação. Portanto, a manifestação de vontade pode ser confirmada através de:

  • Aceitação entre presentes: quando todas as partes que celebram o acordo estão presentes. Nesse caso, pode ser através de ligação telefônica, reunião virtual, equipamento eletrônico manuseado presencialmente pelas partes, mesmo que através de assinatura eletrônica ou biométrica;
  • Aceitação entre ausentes: ocorre quando as partes contratantes não se encontram presencialmente ou frente a frente no ato de celebração do negócio. Nesses casos, podemos citar a aceitação por telegrama, carta, e-mail, aplicativos de mensagem eletrônica.

Como visto, há diversos meios de autenticação que podem ser enquadrados como uma assinatura eletrônica, sendo que se diferenciam quanto ao nível de segurança da informação, que pode ser desde uma simples combinação de login e senha à utilização de um certificado digital ou até mesmo por meio da biometria.

Esta última vem ganhando destaque, pois podem ser utilizados atributos físicos ou involuntários dos contratantes, como impressão digital, reconhecimento de voz, selfie, reconhecimento de íris e retina, entre outros.

Portanto, o que se constata é que a tecnologia já afetou de forma direta e imediata todas as relações pessoais, e assim não poderia deixar de ser com o Direito. Cabe a todos aproveitar as possibilidades que ela nos oferece e buscar avançar, também, numa melhor forma de nos conectar com os nossos clientes, fornecedores e parceiros, sem deixar de lado as precauções necessárias e minimizar os riscos de cada negócio.

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