Construtoras não podem sofrer dupla penalidade quando as obras atrasarem.

Construtoras não podem sofrer dupla penalidade quando as obras atrasarem.

Multas, vedação de cumulação dos lucros cessantes e possibilidade de inversão de cláusula penal no atraso da entrega do imóvel: como a fixação das teses repetitivas pelo STJ impactou nos debates de todo o país.

As ações judiciais cresceram na mesma proporção que a compra de imóveis na planta nos últimos anos e quando soma-se a isso períodos de crise, os números multiplicam-se.

Diante deste cenário foi importantíssimo, em 2019, a fixação de quatro questões jurídicas relativas ao atraso na entrega de imóveis comprados na planta, para aumentar a igualdade e a segurança para compradores, incorporadores e mercado em geral:

  1. Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer de forma clara, expressa e inteligível o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.
  2. No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade imobiliária.
  3. É ilícita a cobrança de juros de obra ou outro encargo equivalente após o prazo ajustado no contrato para a entrega das chaves da unidade autônoma, incluído o período de tolerância.
  4. O descumprimento do prazo de entrega do imóvel computado o período de tolerância faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

Com estas decisões, o direito passou a ser aplicado de maneira mais uniforme a casos concretos, gerando mais segurança. Os envolvidos passaram a ter mais previsibilidade para eventuais decisões judiciais com base nos precedentes, seguindo a lógica do que foi relevante para o resultado e não o resultado em si.

Neste artigo trataremos especialmente sobre o impacto do atraso na entrega do imóvel, sob os temas 970 e 971 do Superior Tribunal de Justiça:

 

  • Tema 970
  • Impossibilidade, em regra, da cumulação da cláusula penal com lucros cessantes, com avaliação específica para os casos em que os valores não forem equivalentes;

 

  • Tema 971
  • Multa a ser aplicada à incorporadora, nos contratos de adesão que preveem apenas a inadimplência do comprador.

É possível cumular lucros cessantes e cláusula penal moratória no atraso da entrega do imóvel comprado na planta?

Por anos o entendimento repetitivo do STJ sobre o assunto foi “sim”. Porém, após o julgamento do tema 970, isto deixou de ser regra e a tese fixada foi: “a cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros cessantes. ”

O precedente reconhece, a princípio, que a cláusula penal moratória assume um caráter indenizatório e não punitivo. Assim, a “cláusula penal moratória” corresponde a indenização compatível com as perdas e danos presumidos do adquirente (o STF tem trabalhado entre 0,5% e 1% do valor do contrato).

Embora a fixação desse tema ajude a reduzir a insegurança judiciária das ações, as decisões continuam sujeitas à análise de juízes e tribunais. Ressalta-se também que a questão acima não se aplica para os casos julgados pela Lei dos Distratos nº13.786/18.

É possível a inversão de cláusula penal do adquirente no caso de atraso na entrega no imóvel?

O tema 971 foi fixado pelo STJ com a tese: “No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial” (TEMA 971) (16).

O Superior Tribunal Federal conclui que se deve visar o equilíbrio e a harmonia nas relações de consumo em base ética, o que quer dizer que as obrigações legais devem ser equivalentes para ambas as partes. Porém, a simples inversão da multa não é passível de aplicação por possuírem naturezas distintas: uma vez que cabe à incorporadora entregar o imóvel concluído e ao adquirente pagar o valor contratado, chegamos às “obrigações heterogêneas”, que passam a ser convertidas em dinheiro.

Um dos pontos mais discutidos e que teve grande peso na decisão foi o fato da multa por inadimplência se tornar uma punição excessiva às incorporadoras, uma vez que na inversão recairia sobre o valor total da unidade e não sobre o valor da parcela em atraso como é para o adquirente. Além de que, a simples inversão da penalidade contratual poderia dar origem a enriquecimento sem causa do adquirente do imóvel.

O comprador, portanto, pode ser indenizado. Porém a sua mera inversão fica vedada: tal valor deverá ter como parâmetro o aluguel do imóvel, que deve variar entre 0,5% e 1% do valor do contrato a cada mês de atraso.

Considerações finais

Existe uma grande preocupação sobre os impactos das decisões judiciárias na economia, inclusive no setor imobiliário. Nestes casos apresentados, a fixação dos temas pelo STJ possibilitou maior previsibilidade, aumentando a segurança jurídica nas cortes:

  • Reconhecimento, em regra, da impossibilidade de cumulação de indenização por lucros cessantes com cláusula penal moratória, com avaliações específicas para os casos onde o valor não for equivalente. (Tema 970);
  • Indenização judicial por atraso na entrega do imóvel, de maneira reciproca, sem a inversão da cláusula penal atribuída ao comprador, evitando o enriquecimento sem causa do adquirente (Tema 971).
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